quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

"We accept the love we think we deserve"


Não li o livro "As vantagens de ser invisível" (The Perks of Being a Wallflower, de Stephen Chbosky) e vi somente uma parte do filme, porque tive que sair. Mas essa frase que todo mundo já comentou e já cansou de ser analisada em várias resenhas ficou na minha cabeça por um motivo bastante pessoal. Não vou discorrer sobre o motivo, por não estar muito interessada em um oversharing agora, mas fiquei pensando... Afinal, como a gente pode avaliar a quantidade ou qualidade do amor que a gente merece?

Recentemente, eu li a história de uma dona de casa pobre e negra que se casou com um homem e apanhava dele por nada. Logo da primeira vez que isso aconteceu, ela foi à delegacia e denunciou o marido. Conheço também a história de uma mulher rica, casada, que descobriu que o marido tinha uma outra família além da oficial, com um filho de três anos. Apesar disso, ela considerou que ele era bom para ela e para os filhos, nunca deixando nada faltar, e o aceitou de volta. E a história de uma mulher jovem cujo companheiro agia com grosseria com ela, intimidando e diminuindo tudo o que ela fazia. Ela tolerou por um tempo, mas acabou o relacionamento quando decidiu que não aguentaria o resto da vida. E há outra mulher, beirando os trinta, que acabou um relacionamento somente porque não havia nenhuma perspectiva de futuro. Outra bastante jovem que acabou porque não tinha tanta atenção e carinho quanto desejava. A mulher desprezada, que aturou um relacionamento sem graça por mais tempo do que deveria e terminou traindo o companheiro com um amigo dele. Outra mulher casada, de classe média, que foi traída uma vez, o companheiro contou no mesmo dia, pediu perdão, mas ela não aceitou. Acabou tudo.

Conheço também o caso de um homem bem sucedido que se casou com uma mulher ciumenta ao ponto de ela controlar até suas ligações, ter senhas de redes sociais e e-mail. Apesar disso, são felizes e ela espera seu primeiro filho. E a história de um homem que estava noivo e acabou tudo porque se interessou por outra, depois de vários anos juntos. A história de um homem, bonito e sensível, que viu um relacionamento definhando e não fez nada para mudar, conversar ou resolver. Casou-se sem amor, sem vontade, por pressão. E arranjou uma amante. O caso de um homem jovem que conheceu a mulher perfeita, mas não conseguiu ser o homem perfeito. Ela o deixou, pouco tempo depois. E o caso de um homem comum, que conheceu a mulher perfeita e conseguiu ser o homem perfeito para ela, ao perceber que ninguém é perfeito. Hoje, são felizes, têm trinta anos de casados e três filhos adultos.

Todas essas histórias, reais ou não, ilustram o pensamento que eu tive quando ouvi a frase acima: "Nós aceitamos o amor que achamos que merecemos". O pensamento de que, independente de classe social, intelecto ou tipo físico, as pessoas têm ideias definidas sobre aquilo que esperam do amor e aquilo que podem suportar. E pesam os prós e os contras sem perceber, avaliando o que merecem e o quanto desejam da vida. Muitas vezes, essas ideias nos confundem, quando pensamos que somos de um jeito e descobrimos que podemos aguentar mais; ou mesmo, que podemos aguentar quase tudo. Que podemos virar outra pessoa. Mas sempre existe, para todas as pessoas, aquele ponto, aquele limite, que, se atravessado, não haverá mais volta. Acredito que esse ponto defina o início do nosso amor próprio e dos nossos valores. Para algumas pessoas, esse terreno é bem pequeno e, para outras, é imenso.

E esse limite define o momento de impacto, o momento em que passamos de amor eterno a amor passado. Às vezes, a ódio, rancor, mágoa e depois esquecimento. O momento em que o outro passa de melhor amigo a desconhecido. Para uma pessoa, esse momento pode ser por causa de um tapa na cara; para outra, um simples olhar para o lado, ou um amigo inseparável que causa ciúmes. Grandes ou pequenos, os limites de cada um. E esses momentos de impacto definem o fim. E o fim define quem somos.

É claro que eu sou uma dessas pessoas. Ou várias. Talvez, algum dia, seja outra. Muitas pessoas que eu conheço poderiam ser personagens dessas histórias. E quem sabe não sejamos todos? Personagens de nossas próprias histórias; fazendo escolhas, fazendo besteiras, jogando nossas vidas, vidas de outros e sentimentos no lixo. Ou lutando por eles.

Ou apenas vivendo, aos tropeços, sempre em frente.

13 comentários:

µαri µαtos disse...

Ótima definição de amor próprio e valores. A gente nunca pensa neles se n sente q eles foram abalados. Esse ponto é realmente essencial. Insight.

Alisson da Hora disse...

Creio que o que mais tem ferrado relacionamentos nos últimos tempos é o conceito "capitalista" que temos do amor. Já vi muitas pessoas dizerem "ah, vou ver se invisto no namoro com Cicrana", "Ah, Fulano só me deu prejuízo", entre outras metáforas do gênero. E daí haja padrões a serem ditados, tentando enquadrar as pessoas dos mais variados tipos em um só: o da segurança. Seja emocional ou financeira, tal muleta só demonstra nossa insegurança e incapacidade de encarar que prazos de validade só servem para os produtos que consumimos, não para as relações que travamos com os outros. Porque, no final das contas, quando usamos esses termos de nossas vidas financeiras para aludir à nossa afetividade, sem querer já colocamos como condição uma obsolescência programada para o que não se programa. Até porque relações não vêm com manual de instruções e tampouco com termo de garantia. E daí a nossa frustração quando a relação desanda, justamente por conta do nosso "mau uso". E então ficamos cada vez mais exigentes, como se os outros que futuramente cruzassem o nosso caminho tivessem a obrigação de ser um "produto melhor", com upgrade de carinho, compreensão, e vá lá, amor mesmo. O que, felizmente, é impossível.

Marina disse...

Verdade, Alisson. Nunca tinha pensado assim. Fora o fato de que ninguém pensa em consertar nada, como se toda relação que estivesse dando errado nunca pudesse ser melhorada. Acabar ou continuar na merda é mais fácil.

Maria Ximenes disse...

Excelente texto! Concordo plenamente com a frase do filme! Infelizmente o amor próprio só é alcançado depois de mil experiências ruins e muito trabalho de autoestima :( acredito que quanto maior ele for, menor será a tolerância ao que nos faz mal.

µαri µαtos disse...

E com isso também vem aquele conceito de relacionamentos descartáveis. Ninguém tenta consertar mais nada. Lascou a beirinha da xícara, joga fora.
Só vejo os "amor da minha vida" de 2 meses de duração no FB. Vida curta, né??!

µαri µαtos disse...

Acabei de ver q Marina falou exatamente do amor descartável. =P

Marina disse...

Foi, Mari. A gente já tinha conversado sobre isso, uma vez. Ou várias. Hahaha!

Raíssa disse...

Adorei o texto, Maryn. Inclusive, vi a mim mesma em algumas vivências...
Acho que todos os comentários até agora foram super pertinentes. As relações estão cada vez mais descartáveis, os "amores eternos" e "amores da vida" encontrados e vividos cada vez mais rápido; os padrões de exigências cada vez maiores e/ou os padrões de submissão também!
A gente inevitavelmnete cria expectativas e e, muitas vezes, tenta enquadrar as pessoas em um modelo único de "felicidade" que nos conforta (nos traz a segurança afetiva, emocional e/ou financeira que tanto se almeja) e muitas vezes é difícil construir algo quando se tem uma ideia pré concebida ou um modelo ideal de amor. Se perde o caminho da construção, de uma forma real, trabalhando as diferenças e aprimorando as afinidades...E muitas vezes as pessoas também não estão dispostas a brigar para construir algo melhor, infelizmente, as pessoas preferem "trocar" por "algo melhor"!

µαri µαtos disse...

Cadê o botão de curtir?

Marina disse...

"As pessoas preferem trocar por algo melhor"

Cadê o botão de curtir? [2]

Daniela Falcone disse...

Tanto o post como os comentários estão incríveis. Todo mundo se identifica com um pedaço ou com tudo até. Tenho lido muito sobre o conceito de monogamia que temos, como ela nos é prejudicial (não por ser monogamia, mas pelas cobranças, expectativas, por essa coisa do descartável, etc.) Tem sido muito enriquecedora toda essa leitura sobre a não-monogamia e a conversa de bar (ou de whatsapp) sobre relacionamentos, como cada um lida com o amor; fica cada dia mais fácil compreender e aceitar todos os tipos de gentes <3

Marina disse...

Sobre o conceito de monogamia, acho que não tem problema se for conversado. Mas a pessoa pensar que está num relacionamento a dois e estar sendo enganada, pra mim não é justo e é uma extrema falta de respeito com o outro.

Anônimo disse...

votre opinion, cette votre opinion
radanteEr